domingo, 13 de julho de 2014

Carta de uma professora da rede pública a Excelentíssima Senhora Senadora Ana Rita,



Sou professora das redes municipal e estadual em Goiânia e vi com muita tristeza e apatia seu projeto de lei que tramita no Senado. A senhora diz no projeto que é gritante o número de adolescentes que chega ao final do Ensino Médio sem saber interpretar corretamente um texto e joga a culpa desse fato no professor. Lamentável.
De fato a senhora pretende que se resolva o problema de décadas de educação pública de baixa qualidade com “um simples projeto de lei que exija capacitação rigorosa de mestres”, usando suas palavras. Seu texto dá a noção errônea que a culpa é nossa, professores do ensino básico brasileiro.
A senhora veja, que não se menciona como raiz do problema turmas super lotadas, livros didáticos de baixa qualidade e o pouco (ou nenhum) acompanhamento da vida estudantil das crianças por sua família. A culpa, ao que parece, é apenas do professor.



No seu projeto de lei a senhora diz “A prática do abuso da carga de trabalho - vista como uma solução momentânea ou futura para a baixa remuneração - exige que seja disciplinado o "direito" ao acúmulo de cargos, expresso no inciso XVI do art. 37 da Constituição" (p. 5). A senhora acertou em diversos pontos, porque em meu caso particular, recorri a dupla jornada por conta de minha baixa remuneração. Entretanto, falamos de um país em que governantes encontram artimanhas legais para NÃO reajustar o piso de acordo com a lei. Lembremo-nos que no fim do ano passado os governantes entraram naJustiça, alegando não ter “condições” de dar o reajuste que o custo-aluno impunha e, pior, conseguiram!
A senhora imagine a situação em que eu — que muito estudei para passar em meus concursos — seja obrigada pela aprovação de sua lei a abandonar um de meus empregos. E nesta situação hipotética o governante entre na Justiça, alegando não ter meios a fim de pagar a mim os vencimentos que fiz jus anteriormente, quando trabalhando o dobro? Que farei eu então? Senhora Senadora, observe que o projeto não impede que este fato ocorra.
No projeto a senhora diz ainda que se criará “Dispostivo adicional da proposta indica que a União será a responsável por repassar à rede pública que se sinta prejudicada os recursos financeiros compensatórios”. Veja a senhora que o mesmo ocorre com o pagamento do Piso dos Professores, na lei, mas na prática vê-se um show de horrores, onde governos fazem o que querem com a carreira dos professores. Temos diversos estados em que não se paga o Piso Nacional e por qual sanção passaram estes governantes?
A senhora culpa os professores pelo analfabetismo funcional quando afirma "já foi registrado seu despreparo, que, em casos extremos, embora cada vez mais raros, chega a beirar o analfabetismo funcional. Ora, isso tem sido possível pelo grau de descontrole da competência dos mestres em muitas redes de ensino”. Observe que a culpa não é da obrigatoriedade de aprovação dos alunos, ou de algumas propostas que somos obrigados a engolir, como os Ciclos de Formação Humana, que matriculam automaticamente o estudante na série seguinte. Não, a culpa é do professor mal formado. Será?
Continuando com a culpabilização do professor a senhora afirma que "os estágios probatórios são meramente formais, em que um comportamento passivo e submisso vale mais que o crescimento profissional que deve caracterizar os anos iniciais de um trabalho estável" (pg. 6). Em outras palavras afirma que o período probatório não passa de faz-de-conta. Sou obrigada a fazer um pequeno desabafo, porque enquanto professora recém- empossada, recebi pouquíssima ou nenhuma ajuda de meus superiores, em minhas dúvidas sobre planejamento, domínio de classe, apoio da família, etc, mas todos me cobravam que fosse excelente. Ademais é preciso citar o mau hábito de se dar aos novos professores as piores turmas, que nenhum outro professor deseja. Não é curioso?
A senhora continua, afirmando que o professor passará por avaliação acerca de seus progressos culturais e didáticos, segundo diretrizes nacionais. Quem fará essa avaliação? Como professora, outro desabafo. A senhora sabia que estas avaliações são usadas contra nós, no ambiente escolar? Pergunte a qualquer professor e ele dirá a senhora que foi pressionado a fazer determinadas coisas, para não ser prejudicado em sua avaliação. Qual a formação dos avaliadores? Qual sua relação com o professor avaliado?
Por último, gostaria apenas de expressar minha decepção pela pesquisa rasa feita pela senhora e sua equipe, que pouco — ou nada, eu diria — pesquisaram sobre a importância da formação continuada para os professores. Doutores como Maria Vera Candau, Selma Garrido Pimenta, o falecido Valter Guimarães, Maria das Graças Nascimento, Maurice Tardif, José Tavares, Sonia Kramer e outros tantos, que dedicam e dedicaram sua vida acadêmica a estudar a importância e peso que esta formação continuada tem na docência.

Atenciosamente, professora Thais Rodrigues

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