Sou
professora das redes municipal e estadual em Goiânia e vi com muita tristeza e
apatia seu projeto de lei que tramita no Senado. A senhora diz no projeto que é
gritante o número de adolescentes que chega ao final do Ensino Médio sem saber
interpretar corretamente um texto e joga a culpa desse fato no professor. Lamentável.
De
fato a senhora pretende que se resolva o problema de décadas de educação
pública de baixa qualidade com “um simples projeto de lei que exija capacitação
rigorosa de mestres”, usando suas palavras. Seu texto dá a noção errônea que a
culpa é nossa, professores do ensino básico brasileiro.
A
senhora veja, que não se menciona como raiz do problema turmas super lotadas,
livros didáticos de baixa qualidade e o pouco (ou nenhum) acompanhamento da
vida estudantil das crianças por sua família. A culpa, ao que parece, é apenas
do professor.
No
seu projeto de lei a senhora diz “A prática do abuso da carga de trabalho -
vista como uma solução momentânea ou futura para a baixa remuneração - exige
que seja disciplinado o "direito" ao acúmulo de cargos, expresso no
inciso XVI do art. 37 da Constituição" (p. 5). A senhora acertou em
diversos pontos, porque em meu caso particular, recorri a dupla jornada por
conta de minha baixa remuneração. Entretanto, falamos de um país em que
governantes encontram artimanhas legais para NÃO reajustar o piso de acordo com
a lei. Lembremo-nos que no fim do ano passado os governantes entraram naJustiça, alegando não ter “condições” de dar o reajuste que o custo-aluno
impunha e, pior, conseguiram!
A
senhora imagine a situação em que eu — que muito estudei para passar em meus
concursos — seja obrigada pela aprovação de sua lei a abandonar um de meus
empregos. E nesta situação hipotética o governante entre na Justiça, alegando
não ter meios a fim de pagar a mim os vencimentos que fiz jus anteriormente,
quando trabalhando o dobro? Que farei eu então? Senhora Senadora, observe que o
projeto não impede que este fato ocorra.
No
projeto a senhora diz ainda que se criará “Dispostivo adicional da proposta
indica que a União será a responsável por repassar à rede pública que se sinta
prejudicada os recursos financeiros compensatórios”. Veja a senhora que o mesmo
ocorre com o pagamento do Piso dos Professores, na lei, mas na prática vê-se um
show de horrores, onde governos fazem o que querem com a carreira dos
professores. Temos diversos estados em que não se paga o Piso Nacional e por qual
sanção passaram estes governantes?
A
senhora culpa os professores pelo analfabetismo funcional quando afirma
"já foi registrado seu despreparo, que, em casos extremos, embora cada vez
mais raros, chega a beirar o analfabetismo funcional. Ora, isso tem sido
possível pelo grau de descontrole da competência dos mestres em muitas redes de
ensino”. Observe que a culpa não é da obrigatoriedade de aprovação dos alunos,
ou de algumas propostas que somos obrigados a engolir, como os Ciclos de
Formação Humana, que matriculam automaticamente o estudante na série seguinte. Não,
a culpa é do professor mal formado. Será?
Continuando
com a culpabilização do professor a senhora afirma que "os estágios
probatórios são meramente formais, em que um comportamento passivo e submisso
vale mais que o crescimento profissional que deve caracterizar os anos iniciais
de um trabalho estável" (pg. 6). Em outras palavras afirma que o período
probatório não passa de faz-de-conta. Sou obrigada a fazer um pequeno desabafo,
porque enquanto professora recém- empossada, recebi pouquíssima ou nenhuma ajuda
de meus superiores, em minhas dúvidas sobre planejamento, domínio de classe,
apoio da família, etc, mas todos me cobravam que fosse excelente. Ademais é
preciso citar o mau hábito de se dar aos novos professores as piores turmas,
que nenhum outro professor deseja. Não é curioso?
A
senhora continua, afirmando que o professor passará por avaliação acerca de
seus progressos culturais e didáticos, segundo diretrizes nacionais. Quem fará
essa avaliação? Como professora, outro desabafo. A senhora sabia que estas
avaliações são usadas contra nós, no ambiente escolar? Pergunte a qualquer
professor e ele dirá a senhora que foi pressionado a fazer determinadas coisas,
para não ser prejudicado em sua avaliação. Qual a formação dos avaliadores? Qual
sua relação com o professor avaliado?
Por
último, gostaria apenas de expressar minha decepção pela pesquisa rasa feita
pela senhora e sua equipe, que pouco — ou nada, eu diria — pesquisaram sobre a
importância da formação continuada para os professores. Doutores como Maria
Vera Candau, Selma Garrido Pimenta, o falecido Valter Guimarães, Maria das
Graças Nascimento, Maurice Tardif, José Tavares, Sonia Kramer e outros tantos,
que dedicam e dedicaram sua vida acadêmica a estudar a importância e peso que
esta formação continuada tem na docência.
Atenciosamente,
professora Thais Rodrigues
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